quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

praça ramos

em pensamento acaricio tuas linhas
refletidas da imagem que me esforço em decorar
quando tudo é tão abstrato, amo, apenas.
e só da força que tens sobre mim eu sei.
teu olhar de querer, quase infantil
de olhos imprecisos de sede
traços lunares
em contraste com a dureza e a hombridade de tua barba
e boca de interjeições e sorrisos tão particulares
que tanto desejo que seja minha
que me sopre tuas ganas e verdades.
desejo que me beijes e me fites calmo e exato
e completo no silêncio de nosso reconhecimento.
depois dele é insustentável aceitar
que por hoje ainda me reste andar só
nas ruas de cá, que sem ti são menos minhas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

tua

meu ventre quer ser
teu lar
teu reinado
te quer
urgente
como rei, pai, amante
totalmente teu
berço
prisão deliberada
calma
terra
e água
mas fogo, ar, explosão
desejo
gargalhada
satisfação e cansaço
vida inteira, outras vidas
nossa vida
completa
quer ser
meu ventre
é teu
é tudo, ou será
é todo teu
como todo o resto
que gira em torno dele
eu

sábado, 8 de dezembro de 2007

Palavras apropriadas

St. Pete
Shannon Wright


Two young horses dragging to St Pete
Worn out tired, right here

And the night falls on this ocean's white hour
'Cause you won't be coming home to me
And you said it sad and so playfully
I wish God would make things clear
'Cause there's no fight left in me

Relentlessly the sun is igniting
While all these concrete boxes sit empty
On these defeated Floridian streets
I know you won't be coming home to me

Two young horses dragging to St Pete
Worn out, tired
Worn out, tired
There's no fight left in me

sábado, 17 de novembro de 2007

Pensamento avulso

eu quero tanto, eu tenho tanto!
minha vergonha é não saber carregar.

domingo, 11 de novembro de 2007

Palavras apropriadas

Daniel na Cova dos Leões
Renato Russo


Aquele gosto amargo do teu corpo
ficou na minha boca por mais tempo
De amargo e então salgado ficou doce
assim que o teu cheiro forte e lento
fez casa nos meus braços e ainda leve
e forte e cego e tenso fez saber
que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero
e desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
e o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
não faz da minha força confusão.
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
e sei que tua correnteza não tem direção.

Mas tão certo quanto o erro de ser barco
a motor e insistir em usar os remos
é o mal que a água faz quando se afoga
e o salva-vidas não está lá porque não vemos.

Brincadeira de verdades

Febre.
Sentia febre.
O nervo que vai do pescoço até atrás da orelha, subindo pela cabeça, doía fundo e enlouquecedoramente.

Implorava a Deus ou qualquer um que o valesse para nunca mais ser indagada daquela maneira. Maldita idéia a de querer se expor assim e brincar de verdades já sabendo do perigo e do limite que de antemão detestavelmente se desenhavam.

Desejava o silêncio. O seu, o dele, o do mundo.

E ele lhe fitava com aquele olhar, como é mesmo que se chama aquele que é seu próprio? Esperando a resposta que confirmaria suas incertezas, ele lhe provocava.

E ela se sentia provocada a definí-lo quando só poderia mesmo falar do que esse olhar lhe causava e não o que parecia ser. Confuso. Uma provocação sem fim, sem escape.

Então entrou quase em um transe de exaustão, desejo, raiva e tudo o que coubesse na caixa de pandora que se abria em mil portas como um buraco negro que só se expande e do qual não se tem a dimensão, e gritou contorcendo o rosto de olhos bem fechados:
- EU TE AMO!

E ele, que esperava incertezas, se descompôs em silêncio. A medida das coisas finalmente se delineava.

E não houve mais perguntas. Só silêncio, certeza e ponto final.
A tela escura após a cena clímax na vida real, que depois seguiria irritante, frustrante e tão ensolarada.

sábado, 3 de novembro de 2007

Preparação II

Desde muito antes ela previa o óbvio que se aproximava e de tempos em tempos fazia incursões em sua casa. Se concentrava para guardar na memória o mais fiel possível a posição de cada objeto e a forma como incidia a luz que entrava turva pela janela, tentando descobrir um pedacinho de algo que lhe pudesse contar alguma verdade sobre ele.

Um dia, em uma dessas incursões indiscretas, ele lhe pergunta:
- Você não vai me dizer nada sobre mim e o que eu fui para você?
Ela nada diz e os dois começam a chorar em despedida.